Teoria da garota mutilada
A estigmata como procedimento técnico de divinação e transexualidade
Para Bogna Konior, que me apresentou a estigmata como forma tecnológica
Para Girl of Swords, que pelo seu uso de “mutilated” me fez refletir em suas implicações sobre corpo e gênero.
Há um texto bonito do Preciado no Quatro Cinco Um que fala contra a ideia da cirurgia como mutilação. Todavia, como boa católica de formação e imaginário, e por conta de umas trocas que tive, vejo muitas mulheres trans tomando para si a mutilação como força de mudança da carne. Me remete, por exemplo, a um antigo procedimento dos católicos (muito bem representado na Catarina de Siena, minha santa favorita) da estigmata, no qual se marca na carne as chagas de Cristo como forma de comunhão e gesto amoroso para Deus. Não basta erigir pra si uma Deusa, mas criar uma relação não só mística, transcendente e contemplativa com ela, como também marcar na carne os procedimentos de desvio, mudança, alteração e por que não libertação do corpo através da dor, da ferida, da abertura de uma fenda que não é carnal, mas ontológica Nada mais abjeto e simultaneamente divino - tabu e transgressão do tabu - do que a profanação da Unidade do corpo, sua eroticização, sua abertura ao mundo, do que a estigmata. Torna-se ainda mais interessante ao pensar que ela é feita, por vezes, pelos anjos. Intervenção divina1
1. Três categorias de intervenção carnal: mutilação, automutilação e estigmata
Imagina-se que a emergência da estigmata durante a Idade Média nasce da formação de um tipo de “Self proto-moderno”, no qual há uma separação mais forte entre um “Nós” e um “Eu”. Uma das marcações possíveis desse Eu em um Medievo no qual a figura de Deus frente o povo é radicalmente diferente da qual temos hoje – de forma geral, uma sociedade secularizada com religiões que passaram por um processo de secularização também como garantia da sua reprodução e sobrevivência – a estigmata então é uma forma de encarnação de um novo processo subjetivo de construção de um Eu. Seguindo de forma ampla a formulação de Freud em Além do princípio do prazer (1920) o trauma – as mudanças climáticas na sopa primordial propiciam o desenvolvimento da vida unicelular para a vida complexa2 – tem um alto grau de plasticidade. Dessa noção, deriva-se a ideia de que o processo de modificação do Self3 há de ter manifestações pautadas no trauma. Parte das investigações médicas da estigmata aponta para manifestações psicossomáticas de ocorrências traumáticas. Esse texto olhará para as semelhanças decorrentes da tradição da estigmata (fenômeno pronunciadamente feminino no catolicismo), a automutilação, o contato com o sagrado e o processo de transição, usando a ferida, o erotismo e mudança do Eu como seu ponto de encontro e sobreposição desses diferentes fenômenos.
Enquanto em Operação em primeira pessoa, Preciado pretende falar de um “enunciado somático” em contraposição à retórica patologizante que entende procedimentos cosméticos e cirúrgicos como formas de mutilação (aspecto corrente no discurso naturalizante-reacionário que fala na transição como forma de degradação ou degeneração de um suposto corpo inviolável), aqui buscaremos entender os porquês da mutilação se apresentar como imagem e termo recorrente entre transexuais de pontos geográficos distintos4. Podemos desenhar, provisoriamente, três processos técnicos distintos: 1. a mutilação. 2. a automutilação. 3. a estigmata. Grosso modo, a segunda e terceira forma podem ser entendidas como parte da primeira. Enquanto as duas primeiras estão relacionadas direta ou indiretamente com o processo de transição, a steceira diz respeito às manifestações do divino. Traçaremos uma trama entre esses três pontos a fim de sustentar a intuição de que, seja a materialização da transição no corpo, seja o contato do ser humano com o sagrado, os dois casos são uma forma de deformação e redefinição da carne como o elemento alienígena5 assim como se dá nos filmes classificados como body horror6. Ou seja, o que essas três práticas têm em comum, se dando muitas vezes em caso que 1, 2 e 3 estão sobrepostos, é um registro de uma força exterior que passa a determinar, estimular ou modificar um determinado senso de Eu. Mutilação, automutilação ou estigmata, as três são um registros de feridas nas pele, uma marca do Exterior em um contato com uma força externa mais poderosa (seja ela o Senhor, seja ela o próprio desejo ingovernável de transicionar e os procedimentos decorrentes disso). Assim como a carne com agência própria no body horror, a mutilação não é metáfora, mas a própria encarnação das marcas de uma transformação subjetiva a partir de um estímulo externo, no qual Interior e Exterior tornam-se progressivamente mais difíceis de serem separados. Um ponto importante do porque a estigmata se diferencia mas está entreleçada com as duas categorias é o seu amplo caráter erótico – assim como a automutilação presume uma forma de dor que leva o prazer e vice-versa, a estigmata frequentemente vem acompanhada de declarações amorosas e sexuais da santas à figura de Jesus Cristo, e geralmente a mediação com um terceiro o qual é o anjo.
O último ponto a ser comentado antes de prosseguirmos com a nossa investigação é uma elaboração da citação inicial sobre uma “fenda ontológica” que precede a carnal. Aqui presume-se e aponta-se para a ideia de que o processo dissociativo da transição – uma frase predominante, por exemplo, no momento de não compreensão da disforia mas que a disforia já se manifesta como tal, apenas há ausência de vocabulário que a descreva – permite que sujeitos em processo de transição compreendam que a ideia de um “Eu” ou Self é sempre provisória7, precária e passível de transformação. Essa percepção é articulada de formas distintas por Juliet Mitchell e Jacqueline Rose em seus prefácios para Feminine Sexuality: Jacques Lacan and the École Freudienne (1985), como também a comento em minha fala do diagrama de Schafer. Pretendo comentar sobre essa fenda, buraco ou ferida ontológicos e a artificialidade do Eu ao fim do texto, partindo de como Slavoj Zizek descreve, exemplifica e situa o sinthoma em seu livro O Sublime Objeto da Ideologia (1988). Creio que toda pessoa trans de alguma forma entende a maleabilidade do que chamamos de Eu a partir das modificações necessárias que promovem em sua própria subjetividade, as quais se dão de formas variadas: experiência e vida em comunidade, transformação do corpo, escolha por hormonizar ou não, mudança no tratamento que recebe das instituições, mudança no tratamento que recebe de outras pessoas enquanto acompanha as modificações de certo corpo. De certa forma, toda pessoa trans passa pela experiência da não separabilidade de corpo e Eu, assim como o seu caráter processual e a ligação entre desejo de si–desejo do Outro enquanto vê a progressiva mudança no tratamento que recebe dos outros enquanto o seu corpo e comportamento mudam ao longo do tempo. Ao compreendermos a transição como a entrada em um corpo coletivo8, ou seja, construído a partir de um circuito estético compartilhado9, cabe descrever quais manifestações se dão nos corpos individuais que compõem esse corpo compartilhado, o qual cria laços visíveis e invisíveis entre psíquico e físico, individual e compartilhável, material e etéreo.
2. A estigmata
Some patients have referred self-mutilation as the attempt to relieve emotional pain or frustration, coinciding with other authors and similar to Freud's famous metapsychological text from 1917, where he reports that when cutting himself, patient is asking for help and is a manner to feel himself and stay alive. However, according to Duque and Neves, there is no consensus among authors with regard to self-mutilation causes and behavior. With regard to the most frequent feeling obtained by patients evaluated in this study, there is tension "relief" and other egodystonic feelings also found by Cedaro and Nascimento. It is worth stressing that 75% of patients have referred "pleasure" as a response, in line with Favazza and Conterio who state that self-injury would be a way to minimize anguish and simultaneously generate pain and pleasure. Considering sexuality, in our study 30% have reported being homo or bisexual, in disagreement with Brazilian estimates where 10.7% of the population is bisexual. According to Vilhena and Prado, for each self-mutilation case the event does not matter, but rather the way it relates to psyche and why it is processed, in general representing a fundamental desire of talking, experience which indicates doubt, deciphering and subjective repositioning. Notably, half the patients have reported that losing blood during self-mutilation validates the act, while just one patient has related it to sexual intercourse and his sexuality, as opposed to a study by Cedaro and Nascimento who refer being automations manifestations of self-eroticism (mimicking masturbation). There has been higher incidence of food compulsion as parallel compulsion, in disagreement with several other studies which, when analyzing the context of manifestations in virtual spaces, have found correlation of self-mutilation habits with compulsive use of drugs.10
Podemos desenvolver a ideia de que a estigmata é uma manifestação psicossomática de uma forma aguda de histeria (mais sobre isso posteriormente). Porém cabe começarmos com o seu caráter evidentemente narcísico: dentro de uma perspectiva católica, teria visão mais simultaneamente narcisista e masoquista do que a ideia que o seu corpo está passando a um sofrimento análogo ao de Jesus Cristo? E mais do que isso: essa simulação vem acompanhada de uma fantasia específica na qual a infringida por tal castigo/benção também, com frequência, desposa Cristo e o tem como seu amante e marido? Independente de suas causas (transcendentes ou corpóreas) a estigmata é enfaticamente uma maneira particular, pessoalizada e abertamente passional da relação com fé, o que fortalece a hipótese inicial que o seu surgimento na história se daria em conjunção com a emergência de uma nova percepção de “Eu” ligada à individualidade e progressiva separação com a comunidade. Penso que todo estímulo erótico está relacionado de alguma forma com um comportamento narcísico do ego, ainda mais o estímulo de ordem perversa, ou seja, no sentido freudiano os atos sexuais que não são direcionados à reprodução (o que inclui, portanto, a sexualidade gay, lésbica e deviante no geral). Trago essas descrições relacionadas à psicanálise para pensar que esse fenômeno está sempre relacionado com um excesso, algo que transborda o corpo, que move-se pra além do corpo e dessa forma deixa uma marca nele, mas que registra um provável excesso psíquico, seja de investimento libidinal ou de mecanismo de defesa em manifestações físicas, corporais, perceptivas. Assim tal a automutilação, a estigmata é um desejo comunicante, uma “reposição subjetiva” que se comunica como uma incisão. Essa incisão, marca do excesso no corpo, contudo, se dá por uma retirada e seus efeitos materiais subsequentes. Esse caráter excessivo aparece como uma forma de subtração: se na estigmata e na automutilação é a retirada de uma parte de si (de uma superfície assim como também a perda de sangue), o mesmo se dá na sua coincidência com transtornos alimentares (um estímulo excessivo exterior ocorre na reação de deixar, ou buscar deixar, de se alimentar).
“Se você seguir alguém até o fim do mundo porque os ama, bem, existe lá o potencial para transformação violenta. Algo pode colapsar. A corrente da causalidade balança na própria fundação. Estigmata é um corpo canalizando outro, caindo, remontando” (BOGNA KONIOR, 2019). Na descrição de Bogna observamos uma ligação profunda da estigmata com o âmbito mais desestabilizante (e portanto, possivelmente o mais apaixonante?) do amor. Se a estigmata é o registro no corpo de uma pulsão exterior que decodifica e reconfigura materialmente o corpo, então talvez a tarefa mais difícil é descrever quem é o emissor dessa pulsão. A resposta tradicional, óbvio, é que trata-se do Senhor, ou de quem se acredita que é o filho do Senhor. Seria possível que o surgimento de ferimentos, autoprovocados ou feitos por forças transcendentes, estivesse conectado a um outro agente? Se no texto de Bogna o Capital e seus novos dispositivos eróticos (teledildonics) substituem o espaço antes ocupado pelo Deus cristão, então talvez outras entidades de caráter totalizante, mitológico ou reificantes são capazes de ocupar uma função que antes era exercida por uma divindade.
Em Stigmata: A Medieval History in Modern Age (1994) de Ted Harrison o autor aponta que a manifestação da estigmata poderia derivar, também, de uma “experiência coletiva com o Divino”. Ou seja, uma determinada mudança espiritual comunitária seria um fator possível de sua causa, deslocando a relação direta com Jesus e mediando-a através da fé de uma comunidade11. O que reforça o argumento de Harrison é que o fenômeno da estigmata ocorre, por vezes, atravessando diferentes indivíduos de uma mesma cidade. Cabe ressaltar que a pessoa que passa pela experiência da estigmata ganha, muitas vezes, um pequeno subculto ao seu redor. De alguma forma, ela torna-se o “ícone dessa comunidade”. Pensando o que trazemos até aqui, não seria talvez a estigmata uma forma de modelagem do corpo tendo Deus como sua base? O corpo esculpido, seja por reações psicossomáticas, a intervenção Divina ou a automutilação como maneira de alcançar um estado de êxtase religioso. Tendo o trauma ou uma entidade como agentes exteriores, a estigmata é uma forma de status, uma linha direta com forças ainda não plenamente compreendidas pelo trabalho da razão. Não coincidentemente, a estigmata se manifestou em uma série de casos no século XX em pessoas que estavam em estado de saúde debilitada e tiveram sua vitalidade revigorada, por vezes ocorrendo em mulheres que eram anteriormente cegas. Ela marca uma mudança qualitativa não só na psiquê do indivíduo mas no seu próprio corpo. Pensando que a ocorrência é mais intensa em grupos de agitação espiritual, podemos pensar que essa pessoa torna-se um vetor de uma ferida da própria comunidade, uma pulsão dentro daquela dinâmica social manifestada nas pessoas mais sensíveis à sua manifestação.
Podemos especular brevemente, ainda mais considerando o status de minoria no apontamento de Harrison sobre os xamãs, e considerar que a estigmata (que se não leva a morte, há um sofrimento que pode ser vivido durante a vida inteira) seja uma espécie de sacrifício de um membro em prol da sua comunidade. O sentido de sacrifício no qual estamos pensando aqui é de acordo com Marcel Mauss e Henri Hubert em Sobre o sacrifício (1899). Aqui, algumas observações para entendermos o laço estreito entre o corpo do indivíduo e o corpo coletivo, em um processo de individuação, são extremamente úteis:
Na sagração de um rei, somente a personalidade religiosa do rei é modificada; fora dela nada é alterado. No sacríficio, ao contrário, a consagração irradia-se para além da coisa consagrada, atingindo, entre outras coisas, a pessoa moral que se encarrega da cerimônia. O fiel que forneceu a vítima, objeto da consagração, não é no final da operação o que era no começo. Ele adquiriu um caráter religioso que não possuía, ou se desembaraçou de um caráter desfavorável que o afligia; elevou-se a um estado de graça ou saiu de um estado de pecado. Em ambos os casos, ele é religiosamente transformado (MAUSS, HUBERT. 1899, p.13).
Um indivíduo se sacrifica – em termos distintos dos apresentados aqui, mas com intensa semelhança – em prol de uma tensão interna da sua comunidade. Relocalizando a questão para as transsexuais, o que está sendo sacrificado? Um Eu. Um Eu antigo que deixa de existir no momento pós processo cosmético-cirúrgico. Esse corpo será lido de uma nova maneira, e assim sua configuração subjetiva é alterada pelo comportamento retroativo das pessoas ao seu redor. Poderíamos ir mais longe e falar que em uma cirurgia, nossa forma consciente e desejada de mutilação, não só um Eu é sacrificado: as marcas de uma cirurgia são o rastro de trabalho morto. Sabemos muito bem o preço dessas modificações técnicas. São anos de trabalho e uma quantia considerável de dinheiro. Uma forma de trabalho não quantificada está presente em um corpo que não só sacrifica o seu Eu: executa as noções antigas de humano. Aponta para uma possibilidade de autodeterminação do corpo. Molda sua carne à imagem de sua deusa. Afinal, “a vítima sempre tem algo de divino que o sacrifício libera” (Ibid., p. 63). Uma nova consciência nasce.
3. Mutilação e automutilação
Transsexualism highlights, in a unique way, several key issues in feminist studies— among them sex-role socialization, “nature versus nurture, ” and definitions and boundaries of maleness and femaleness. Important issues in medical ethics, such as bodily mutilation and integrity, “nature” versus technology, medical research priorities, unnecessary surgery, and the inevitable issue of the medical model, are involved also. Transsexualism touches the boundaries of many of the existing academic disciplines in such a way as to raise fundamental questions about the territorial imperatives of biology, psychology, medicine, and the law, to name but a few. (RAYMOND, 1978, p.1).
Nós devemos reconhecer a criatividade Janice aqui, mesmo com sua escolha pouco inspirada pelo termo “transexualismo” mesmo sabendo que transexualidade já existia. Ela está completamente correta que a transexualidade toca em todos esses pontos, como a questão da socialização, as fronteiras entre macho-fêmea (não seria nosso objetivo justamente abolir as classes sexuais?) e natureza e tecnologia. Logo abordaremos a mutilação corporal da qual Janice fala, mas primeiro eu gostaria de falar do monstro ao qual ela se refere. Nós, eu, você, e muitas outras antes e depois; compõe esse monstro. Esse é o mesmo monstro do qual Susan Stryker12 fala, com a diferença que não nos encontramos agora na aldeia de Chamonix, mas espalhadas globalmente, e também com a diferença qualitativa da compreensão de Stryker do que esse monstro é. Para partirmos da posição de Raymond, trago outra pensadora para a conversa, pois penso que converge com a ideia distorcida que ela tem de nós, imagens distorcidas de uma suposta “integridade feminina”. Como nos vê – e ela não está errada quanto isso – somos um padrão de difração como afirma Haraway13. Não a reprodução através do espelhamento, mas a mudança que ocorre em um comprimento de onda após ele passar o obstáculo. Se o Feminino – e não, necessariamente, a Fêmea – é a imagem projetada para mulheres, as transexuais a refratam e muda a sua visualização, algo sensivelmente novo é produzido nesse processo. A essa produção de diferença, esse sujeito, Haraway optou pela figura da ciborgue. Eu opto pela travesti e a transexual, não só como a difração do Feminino, mas a difração do que entendemos como Humano e que aparece em um sintoma tão evidente quanto a prosa ansiosa de Janice. Talvez, de fato, sejamos a mutilação naquilo que Raymond mais teme: a integridade da sua imagem de Fêmea, na qual não é simplesmente “socialização” ou “biologia” (ela reconhece que há um argumento possível em ambos casos pelas transexuais) mas a “história de nascer mulher”. O que essa história quer dizer, todavia, não é elaborada14.
Janice (e toda uma linha de críticas de gênero após ela) quer nos convencer animosamente que somos tanto mutiladas pela medicina – o que curiosamente hoje toma as configuração da conspiração do complexo farmacêutico vendendo uma forma de “cura gay” – como mutilamos (para aqui não usar os termos mais baixos aos quais ela recorre) sua ideia de Fêmea. O que ela parece perder, e é essencial para esse argumento sobre “integridade”, é a imbricação da história da técnica com a história humana15. Em uma busca rápida, por exemplo, é possível acessar um artigo que traça a relação prostética em muitas civilizações, passando do Egito até a Era Vitoriana16. Se pensarmos mais a fundo na função prostética das ferramentas, podemos até mesmo recorrer a Le Guin17, que propõe um debate interessante sobre gênero a partir do questionamento de qual teria sido o primeiro dispositivo cultural e até mesmo como isso afetaria modelos de narrativa.
Se quisermos exemplos que não passam pela prostética, temos, para não demorar, o caso de auto-castração dos galli de Cibele, no qual a mutilação novamente tem um sentido claramente ritualístico e religioso. Cito casos da Grécia e do Egito para exemplificar como tanto as próteses quanto a mutilação são elementos de uma série de grupos culturais distintos muito mais antigos do que o discurso médico e psicológico “masculino” ao qual a querida Jan subscreve a mutilação hoje. Além disso, esses atos estavam inscritos em dinâmicas específicas com conotações espirituais e consequências sociais. A técnica pode ter mutado intensamente nos últimos anos, o caráter mitológico da técnica, todavia, se mantém conservado. Não só nossa concepção de natureza vem de um discurso biológico estabelecido, como ela também sempre esteve mediada pela técnica. Isso pode ser estendido também à presença em uma série de grupos indígenas na prática da escarificação. Evidentemente, essas práticas têm conotações culturais específicas e não o mesmo significado, mas elas demonstram que a modificação do corpo via técnica é uma constante cultural em grupos humanos completamente diferentes. Novamente, a integridade defendida por essa linha citada de feministas diz muito mais sobre uma concepção específica de Fêmea do que uma afirmação ontológica como elas parecem acreditar.
There is a surprising amount of agreement in the phenomenological accounts of selfmutilation. The precipitating event is most commonly the perception of an interpersonal loss, such as an argument or a therapist’s vacation. The individual generally reports feeling extremely tense, anxious, angry, or fearful prior to self-mutilating. Often, but not always, the individual reacts to the overwhelming emotion by experiencing dissociation. Isolation from others almost always precedes the actual act of self-mutilation. Self-mutilating is usually quite controlled and, by definition, there is a lack of suicidal intent. Razor blades are the favored implement and wrists and forearms are the most common targets of mutilation. The vast majority of mutilators report the absence of pain during the act. The anger, tension, or dissociation typically are ended by the selfmutilating behavior. Occasionally patients will report feeling guilty or disgusted after self-mutilating, but the response of relief, release, calm, or satisfaction is far more common (SUYEMOTO, p.3-4, 1998)18
O que é difícil de falar sobre automutilação, como esse trecho sublinha bem, é o fato que ela é, muitas vezes, o oposto do que se imagina: prazerosa. Pode parecer que proponho uma apologia aqui, mas pensemos com o trecho anterior, que vem de um estudo sobre modelos de automutilação e analisa uma fenomenologia do ato. O evento que antecede o ato costuma ser uma “perda interpessoal”, como um conflito ou uma ausência de uma figura que transmita segurança. O estado prévio é tenso, ansioso, raivoso ou repleto de medo. É, então, quando a dissociação ocorre, levando ao isolamento. Não só o ato é doloroso, mas a satisfação, calma e liberação precedem a automutilação.
Curiosamente ou não, esta é a exata mesma descrição que Freud dá para o princípio do prazer em seu livro citado no início do texto. Seguindo o modelo energético que o psicanalista adaptou para as pulsões, o desprazer vem do aumento de excitação, da presença de estímulos (como estar tenso), enquanto o prazer vem justamente da diminuição da excitação. O que ocorre no ato de mutilação não é um tipo de injúria permanente ou tentativa de suicídio (na maioria dos casos), mas uma válvula de escape para uma situação estressante. É assustador perceber o quão prazeroso pode ser se cortar. Se pensamos que a automutilação de alguma forma está relacionada a um trauma específico, podemos entendê-la em certos contextos como uma compulsão à repetição, uma forma de reviver o trauma em um contexto mais controlado e específico. Vale a pena ressaltar que a compulsão à repetição é, de acordo com Freud, descrita constantemente como uma “força demoníaca” pelos pacientes, como se suas ações fossem influenciadas por um poder exterior o qual molda o destino de suas vidas. Há, até mesmo, a discussão sobre um “masoquismo primário” neste livro de Freud, o que nos faz pensar o quanto o ato de automutilação e seus correlatos (o abuso de drogas, os distúrbios alimentares) não são características constitutivas da subjetividade humana. Seja para a diminuição da excitação (prazer) ou para sentir dor (desprazer) e se aproximar da morte, o ato de automutilação se inscreve – de acordo com a psicanálise – em uma tensão primordial do desenvolvimento da psiquê humana, pulsão de conservação e pulsão de destruição, morte e vida. A automutilação parece efeito de uma sobrecarga das duas pulsões, uma forma de buscar resolver o nó causado pelo excesso de estímulos.
Há um outro aspecto da automutilação ao qual eu acho que merece ser comentado. A condição ao qual a automutilação é mais associada é o transtorno de personalidade borderline. Inicialmente, uma amiga me trouxe à atenção a relação entre os dois diagnósticos. Posteriormente, percebi que havia toda uma tendência no TikTok sobre como o BPD era uma forma contemporânea de enquadrar a histeria. No último um ano, descobri que há um livro inteiro dedicado à questão19. Olhemos, portanto, para o nascimento do termo borderline:
Os termos "borderline", "casos-limite", "fronteiriço" têm sua origem de maneira insidiosa no século XX, sendo considerados nessa categoria casos intermediários entre a neurose e a psicose. A origem do termo nasce de dentro do movimento psicanalítico. O primeiro autor a usar o termo "borderline" foi Stern, em 1938 (Dalgalarrondo & Vilela, 1999, p. 56). Esse autor, psicanalista americano, observou o número crescente de pacientes com características que ele denominou "neurose borderline". Eles apresentavam grau de insegurança e imaturidade mais intenso na transferência que o paciente neurótico e demandavam período longo de preparação para uma análise tradicional. (NISHIKAWA, FIORE, HARDT, 2017)20
Há uma série de estudos que apontam como o crescente diagnóstico de borderline (vindo de uma cisão entre psiquiatria e psicanálise) foi uma forma de substituição dos diagnósticos de neurose e histeria. Outros estudos apontam para o fato que, aparentemente, 80% das pessoas que constituem o grupo de borderline são mulheres. Esses fatores parecem reforçar que o surgimento do borderline se dá, grosso modo, em uma mudança de termos da psicanálise ao DSM-V de compreensão de diagnósticos.
Mas, afinal, do que se trata a histeria? Se o borderline é uma condição tão sexualmente marcada, e a qual está muitas vezes não só relacionada à automutilação, mas o abuso de substâncias e a anorexia, qual a sua relação com a condição histérica? O que vemos em autoras como Juliet Mitchell é que a conclusão de Freud, que em seus estudos sobre histeria também trata largamente das mulheres, é que a formação psíquica feminina é parcialmente uma formação histérica. No próprio trabalho de Freud há a ênfase de que a histeria pode também ser masculina, mas ela possui uma tendência à feminilidade, assim como a neurose obsessiva está relacionada à masculinidade. Ainda nos Estudos sobre a histeria (1893-95) com Breuer, é identificado que pacientes histéricos têm uma predisposição à uma excitabilidade maior do sistema nervoso. Às histéricas ainda estaria reservada uma psiquê cindida, em uma separação completa de consciente-inconsciente – no caso Freud e Breuer ainda empregavam “subconsciente” – e um fluxo constante de pensamentos afetivos, a inclinação amorosa e o trabalho de cuidado de entes queridos. Em toda essa caracterização, é gritante o quanto a histeria foi uma tentativa de compreensão das determinações da condição feminina no fim do século XIX.
Vale a pena dizer que em sua articulação original, a histeria estava frequentemente associada com o abuso durante a infância. Posteriormente Freud irá deslocar essa questão para a fantasia infantil dentro do complexo edipiano21. Independente disso, há algo de verdadeiro na acepção original da histeria como resultante, por vezes, desse tipo de trauma. Além disso, a histeria se manifestava de forma intensamente física, como se popularizou pelos ataques histéricos. Aqui, cabemos pensar: não seria a automutilação na histeria contemporânea uma das manifestações somáticas dessa condição?22 Basta pensarmos nas elaborações no início do texto, sobre como a estigmata é manifestação de uma força exterior. O que percebemos, até aqui, é que a estigmata (como a histeria) é uma condição majoritariamente feminina, que se dá por uma abertura aos estímulos exteriores, que se manifestam como uma força maior, divina ou demoníaca: “Devemos antes afirmar que o trauma psíquico ou, mais precisamente, a lembrança do mesmo age como um corpo estranho que ainda muito depois de sua penetração deve ser considerado um agente atuante no presente” (BREUER, J; S, FREUD. pp. 19-20, 2016). A automutilação, assim como a estigmata, é registro da epiderme do contato com o Exterior.
4. A ferida ontológica
A ferida é o sintoma de Amfortas – incorpora o seu gozo sujo e nauseante, é a sua substância-vital engrossada e condensada que não o permite morrer. Suas palavras ‘aqui estou – aqui está a ferida aberta’ são, portanto, para serem compreendidas literalmente: todo o seu ser está nessa ferida; se nós a aniquilamos, ele mesmo pede sua consistência ontológica positiva e deixa de existir. [...] Mas há uma outra leitura, talvez mais radical: na medida em que se prolonga para fora da (simbólica e simbolizada) realidade do corpo, uma protuberância nojenta que não pode ser integrada na totalidade do ‘nosso próprio corpo’, uma materialização daquilo que é ‘em Amfortas mais que Amfortas’, e está portanto – de acordo com a fórmula lacaniana clássica – o destruindo. Está o destruindo, mas ao mesmo tempo é a única coisa que o dá consistência. Esse é o paradoxo do conceito psicanalítico de sintoma: o sintoma é um elemento grudado como um tipo de parasita ‘estragando a brincadeira’, mas se nós o aniquilamos as coisas pioram: nós perdemos tudo que tínhamos – até mesmo o resto que era ameaçado mas ainda não destruído pelo sintoma. (ZIZEK, pp. 84-85, 2016)23
Este é um comentário de Zizek sobre Parsifal de Wagner e a adaptação feita por Syberberg. Desde o primeiro seminário, Lacan conceitua o “Eu” como um sintoma. Ou seja, em contraponto às visões gerais que temos sobre personalidade, a ideia de um Eu coeso, Lacan o define como “a doença mental do homem”. O sintoma, para Freud24, é como as pulsões recalcadas retornam buscando uma satisfação sexual, indicando comportamentos regressivos e infantis. É aqui, por exemplo, que o tipo de reconstrução da vida afetiva do analisando é tão importante dentro da clínica: ela permite liberar essa energia pelo efeito de rememoração sem o aparecimento deslocado do sintoma. Apesar da busca da satisfação sexual, o sintoma também é o onde o indivíduo sofre, justamente porque é um conflito entre as pulsões sexuais e os mecanismos de defesa. Em Lacan, o sintoma aparece como traço desse passado ao qual Freud se refere, e se articula em uma teia de significantes, particularmente onde a fala do analisando falha ou se repete. Para entender a persistência do sintoma, Lacan identifica esse fenômeno porque o sintoma é como o sujeito se posiciona em relação ao gozo25.
O interessante da caracterização dada ao Zizek é a radicalidade da proposta lacaniana: a única positividade que existe de um Eu é aquela formada pelo sintoma. Ou seja, esse Eu só existe em relação a sua formação em resposta ao trauma26. Minha hipótese é que em diferentes fases do processo de transição, uma pessoa passa, forçosamente, por um reconhecimento da artificialidade desse Eu. No sentido de que há um processo longo, de âmbito sóciotécnico, para se compreender e se posicionar no mundo como trans. Cada uma dessas mudanças, sejam na ordem do comportamento, sejam na ordem do corpo, são na construção desse novo Eu, um Eu que de certa forma já existe no âmbito do desejo, mas que está se externalizando para o mundo. Nesse processo de externalização, as mudanças na leitura social e forma de tratamento dos espaços que essa pessoa se insere, também acarretam em mudanças subjetivas. Assim, forma-se um circuito retroativo de autodeterminação (trabalho em si para si) e reconhecimento (trabalho em si para os outros). Independente das causas que se imagina para ser trans, ela pede uma postura de mudança no mundo, de remodelagem do Eu. É justamente por esse processo que acredito que as pessoas trans têm acesso, em diferentes níveis de percepção, à ideia de plasticidade do Eu. Como apontamos inicialmente, a experiência transexual aponta, tendencialmente, para essa não separação de corpo e subjetividade, mas níveis extensivamente distintos do que forma essa ideia de Eu ou Self.
Em seu Seminário 11 - Os fundamentos da psicanálise (1964), Lacan diz que a falta constituinte vem da sua interpretação do encontro de pulsão de conservação e pulsão de morte em pulsões parciais. Toda pulsão é parcial pois ela só seria plena se resultasse na reprodução. O sujeito, ao adentrar no mundo, deixa de ser imortal e passa a entrar no círculo da vida. Podemos compreender o raciocínio de Lacan como uma adaptação do processo de desenvolvimento e complexificação da vida apresentado por Freud em Além do princípio do prazer.
Sujeito dividido, cindido, furado, barrado, decepado. Por todo lado da escrita de Lacan se multiplicam as imagens de uma precariedade do ego, uma aparição da instabilidade de um Eu, um Eu demasiadamente assujeitado pelo Outro, precário, em busca de algo que foi perdido e que passou por um processo de simbolização de morte27, desaparecimento. As imagens que Lacan conjuga apontam para o caráter altamente violento e instável desse Eu. Em todo lugar que o sujeito aparece, quando não é função ou vetor da pulsão, é violentado. Pois esse Eu não é nada além de uma ferida, e ampliando o uso mais localizado na clínica, é a percepção da ferida narcísica. Nada mais instável e violentado pelo processo de reprodução e alongamento da espécie do que o que chamamos de Eu.
Ao estado que geralmente se coloca a progressão de reconhecimento da ferida ontológica, do caráter lacunar do sujeito, que é da dissociação, designamos a abjeção. A transexual sabe que é um sujeito decepado, marcado pela divisão sexual, condicionado a uma posição específica dos papeis sexuais. O que é a disforia se não um confronto aterrorizante com a realidade do corpo e o destino ao qual ele foi endereçado? É por isso que condições como distúrbios alimentares, drogadição e automutilação são tão presentes às transexuais: estamos demasiadamente perto de uma realidade insustentável do corpo, um corpo que ocupa até então um significante que é contrário às leis do nosso desejo. O desmembramento, mesmo que controlado, a autodestruição como escape, não parece nada além de uma via natural da cisão imposta entre sujeito - corpo. Como derivar alguma forma de prazer, como erotizar a relação sabendo que a própria divisão sexual já te mutilou? Encontrando alguma forma de conforto dentro do cerne da divisão do sujeito, entendendo a abjeção como um deslocamento contínuo, buscando morada na ferida ontológica. Se o contrato social da heterossexualidade (e a Ideologia Cis implícita nele) são o parasita que nos habita, há quem resista alguma forma de prazer de um estato de um sujeito tão esburacado?
Pelas vias traçadas pelo horror, pelo encontro traumático com o corpo, a transexual se reposiciona subjetivamente. Na fronteira entre Interior e Exterior, onde o Outro pulveriza a imagem espelhada do ego, ela se encontra. Ela sabe, e esse conhecimento é progressivo com o passar do tempo, que ela está situada no repugnante, que a sua imagem é uma imposição externa. É nesse abismo que, para além das determinações do que esse Outro pede, permitimos a entrada de outros estímulos, pois é que se situa o desejo, e é o desejo que concede a possibilidade de uma nova formação subjetiva. Assinalada como o alter ego da cissexualidade, é nessa precariedade que encontramos a pulsão de tornar-se outra, em encontrar a ambivalência da abjeção, a heterogeneidade do Eu e a trilha pela noite de uma outra posição. Atravessada pela abjeção, é onde também encontraremos não só a repugnância, mas o sagrado e o sublime, a “expansão para uma memória infinita”. A jornada pela noite que a transexual passa, é por fim, um tabu: o de negar a Lei da diferença sexual e de alterar o seu destino e função na ordem simbólica.
Se é verdade que o abjeto simultaneamente pulveriza e suplica ao sujeito, podemos entender que é experienciado no ápice de sua força quando o sujeito, cansado de tentativas frustradas de se identificar com algo no exterior, encontra o impossível em seu interior; quando descobre que o impossível constituí o seu próprio ser, o que é nada além de abjeto. A abjeção do self culminaria na forma da experiência do sujeito ao qual é revelado que todos os seus objetos são baseados meramente na perda inaugural que lança as bases do seu próprio ser. Não há nada como a abjeção do self para demonstrar que a abjeção é de fato o reconhecimento da vontade na qual qualquer ser, sentido, linguagem ou desejo é fundado (KRISTEVA, p. 5, 1980)28
5. A plasticidade da destruição – dessubjetivação como recusa, retirada e subtração
A lâmina é algo de extrachato que se desloca como a ameba. Simplesmente, é um pouco mais complicado. Mas isso passa por toda parte. E como é algo - já lhes direi porque - que tem relação com o que o ser sexuado perde na sexualidade, é, como o é a ameba em relação aos seres sexuados, imortal. Porque sobrevive a qualquer divisão, porque sobrevive a qualquer intervenção cissípara. E corre. Muito bem! Isso não é tranqüilizador. Suponham apenas que isso lhes venha envolver o rosto enquanto vocês dormem tranqüilamente... Vejo mal como não entraríamos em luta com um ser capaz dessas propriedades. Mas não seria uma luta cômoda. Essa lâmina, esse órgão, que tem por característica não existir, mas que não é por isso menos um órgão - eu lhes poderia dar maior desenvolvimento sobre esse lugar zoológico - é a libido. É a libido, enquanto puro instinto de vida, quer dizer, de vida imortal, de vida irrepreensível, de vida que não precisa, ela, de nenhum órgão, de vida simplificada e indestrutível. É o que é justamente subtraído ao ser vivo pelo fato de ele ser submetido ao ciclo da reprodução sexuada. (LACAN, p. 184, 1971)29
No processo de tornar-se sujeito, somos castradas. A lâmina da libido já nos atravessou, nos posicionou dentro de uma economia de relações, em uma rede de significantes que se apresenta como futuro. Enquanto sujeito aberto, que sangra, marcado pelas marcas dos traumas infantis e da linguagem, como posso, então, retomar a lâmina? Se o sujeito é uma categoria tão precária e instável, decepada, por que eu não poderia realizar as minhas próprias incisões? Mutilada pela realidade do ciclo de vida e reprodução sexual, é cabível tomar a lâmina em nossas próprias mãos. Lacan, em sua forma mais ou menos inconsciente, ao sistematizar a misoginia e a diferença sexual tende a subsumir a agência perante ao Outro. Talvez levando até a sério demais as referências literárias da psicanálise, parece inscrever o destino sempre como uma tragédia, antecipada pelos oráculos e escrita enquanto destino inescapável. Gostaria de pensar em uma forma de agência sobredeterminada, onde a possibilidade de escolha talvez seja justamente em uma constante negociação com a lei autônoma do desejo. Lacan descreve o mito de Aristófanes em O Banquete de Platão como “patético”. Eu, por minha vez30, acredito que ele é um mito possível, uma forma de desafiar os deuses ou o destino. A lâmina não só decepa, ela também esculpe e inscreve.
Para direcionar o fio da libido, para afiá-la de acordo com a nossa autodeterminação, partiremos das considerações da filósofa Catherine Malabou sobre o pensamento hegeliano31. Partindo da etimologia no grego, a autora mobiliza a ideia de automatismo para mostrar a característica imanente de essência e acidente. Há uma co-implicação entre necessidade e contingência (ou acidente), e aqui podemos ver como atitudes premeditadas ou provocadas por circunstâncias específicas não tem prioridade ontológica. Não só isso, essência e acidente tem uma relação primária. É por isso que em seção anteriores falamos de um circuito de autodeterminação-reconhecimento: não é possível pensar que alguém torna-se trans através de uma causa externa ou interna, porque essas são dois lados do mesmo processo, assim como apontamos que na automutilação e a estigmata a abertura para o Exterior propicia a deflagração de algo que ocorre internamente. Os cortes no corpo são exteriorização de uma dinâmica pulsional interna. Não sou eu que convido ou sou invadida por uma força demoníaca (ou divina) que realiza minha possessão, os dois ocorrem de forma intrínseca. Esse processo pode ser dissecado à posteriori, de maneira artificial, com nossos instrumentos de análise, mas ele ocorre de forma simultânea.
Se os poderes do horror, a abjeção, são a forma que alguém apreende perceptualmente a divisão do ego, o rompimento com uma imagem espelhada, a dissolução da ideia de Eu para o confronto com a ferida ontológica, são os poderes da plasticidade articulados por Malabou que nos permitem partir para remodelagem do Eu. Esse Eu, dessubjetivado, ou seja, retirado da posição a qual antes ocupava na rede de significantes, busca um novo espaço. Porém esse novo espaço só pode existir nas ruínas dos edifícios antigos da psiquê. Erigidos em um processo de constante repressão e adequação, a transexual reconstroi esse espaço sabendo da necessidade da contínua recusa, subtração e retirada por vezes até mesmo dos pilares deste edifício.
Bom, recusa do quê? Primeiramente, da anatomia enquanto destino, do papel sexual designado pela diferença anatômica na infância. Sabemos pelo longo e tortuoso processo de sociabilidade, o qual se intensifica durante a puberdade, que estamos destinados a sermos homens. A recusa retorna, talvez, como constante lembrança que ao deixarmos o espaço social do homem não só estamos assumindo o manejo da lâmina e nos alinhando com o desejo, deixamos de ocupar socialmente o lugar de poder que todos os homens têm sobre as mulheres. Se a recusa é uma das formas possíveis de se endereçar ao Outro e dizer: “bom, eu não vou ser um homem, eu não constituirei uma família, não pretendo ter uma esposa troféu e gastar o resto da minha em aquisições de objetos que me confirmam enquanto um homem da cadeia, eu me recuso à continuidade dessa lógica falida” a retirada é a perda do poder social que poderia ser homem. Bom, você quer ser uma transexual? Então aqui cabe um salto qualitativo nas suas experiências infantis: antes você era a menininha entre os homens, o viado, a bicha, agora você não passa de um ser repugnante que pode ser visto enquanto essa abjeta obscura do desejo, um animal que não vai alcançar, seja socialmente ou juridicamente, a posição de mulher. Evidentemente, podemos e continuamos a ocupar espaços que são dominados por homens – seria interessante listar quais não são – mas sendo vistas ou não como mulheres, fomos retiradas da posição social anterior.
Tratando desses dois aspectos, vamos à subtração. Em seu sentido mais corpóreo, a subtração é no nosso caso é a retirada da epiderme, a incisão que abre o corpo ao exterior e cria uma entrada visível das forças externas. Em outros aspectos, a subtração pode se referir à dinâmica pulsional freudiana que citamos anteriormente: a subtração da excitação e do excesso de estímulos, o prazer como uma forma de diminuição ou válvula de escape.
Porém, ainda há outra dimensão da subtração, com conotações políticas e estéticas. De acordo com Alain Badiou, analisando o trabalho de Pasolini32, a subtração é “a dimensão afirmativa da negação”. Encontramos aqui uma convergência com Kristeva, que fala da abjeção como ponto possível da purificação, e com Malabou, que enuncia a dimensão criativa e recompositora da destruição. Aqui, esses conceitos que foram conjugados não querem pensar na negação, horror ou destruição em como aspectos finais, mas aquilo mesmo que permite a emergência de algo novo, de uma reconfiguração. É assim que um ato como a estigmata ou a automutilação não são simples forma de destruição de si – pensemos, poor exemplo, que a estigmata geralmente causa muito sofrimento em quem ocorre mas costuma acontecer em pessoas com saúde precária que encontram uma forma renovada de êxtase – mas uma nova forma de codificação de um novo posicionamento subjetivo, os registros da dinâmicas do Exterior e Interior. Talvez a subtração seja uma das formas possíveis de permanecer com o problema, ou como eu prefiro, permanecer com o negativo, posicionar-se no núcleo da indeterminação e do acidente que são condições necessárias de emergência do novo.
What destructive plasticity invites us to consider is the suffering caused by an absence of suffering, in the emergence of a new form of being, a stranger to the one before. Pain that manifests as indifference to pain, impassivity, forgetting, the loss of symbolic reference points. Yet the synthesis of another soul and body in that abandonment is still a form, a whole, a system, a life. In this case the term “form” does not describe the intensity of a presence or an idea, nor that of a sculptural contour. A very specific plastic art is at work here, one that looks a lot like the death drive. Freud knew that the death drive creates forms, which he also called “examples.” However, apart from sadism and masochism, he couldn’t give any examples or refer to any types. How does one render the death drive visible? (MALABOU, p. 18, 2012)33
Malabou passa um tempo considerável pensando na plasticidade em seu âmbito neurológico, o que há muito sentido dentro da sua proposta. Porém, ela fala pouquíssimo de uma plasticidade física e sua relação na determinação da psiquê. Nas passagens que ela trata sobre isso, é com trechos de Marguerite Duras através dos efeitos do envelhecimento, em que um rosto torna-se outro tão radical e instantaneamente que aquele sujeito não é mais o mesmo Todavia, os procedimentos cirúrgicos hoje permitem a reconstrução de novos rostos e corpos sem a necessidade do tempo natural. Nossas mutilações autoconscientes são formas de pensar a plasticidade do corpo, e de moldá-lo afim ao nosso desejo. Tomamos a lâmina em nossas próprias mãos de maneira que ela também serve como bisturi: o corpo como matéria moldável a ser transformado de acordo com o fio da libido. E com essa lâmina, caso seja o nosso desejo, também podemos nos castrar à nossa própria maneira. O sujeito mutilado aqui pode escolher como realizar suas próprias escarificações. Tão contingente quanto necessárias, acidentes quanto essenciais, exteriores como interiores.
Este aqui é um gozo superior a todos os prazeres mundanos, maior que todos os deleites e maior que todos os contentamentos. Considerando onde são gerados, esses gozos não têm nada a ver com os deste mundo, já que são sentidos de maneira muito diferente, como vocês devem saber. Certa vez, disse que é como se os do mundo alcançassem apenas a superfície do corpo, enquanto os de Deus penetrassem até a medula. E disse bem, pois não sei explicar melhor (ÁVILA, p.73, 2016).
Conjugo para o fim desse texto Santa Teresa de Ávila, sobre quem a relação com o êxtase foi extensivamente analisada. Como se chega ao gozo que é capaz de penetrar até a medula? Para isso, finalizo com uma breve reflexão com uma palavra presente no título ao qual ainda não retornei: divinação. Sobre a transexualidade já falamos o suficiente, mas talvez não o bastante. Penso que as três técnicas aqui são, por fim, uma forma de se alinhar com um êxtase, de delinear formas de alcançar um gozo que é equivalente ou próximo ao gozo que atravessou Santa Teresa. O que se vê nesses três processos é a construção de um novo corpo afim do desejo, é abrir o inconsciente, permitir que nos deixemos levar para a libido. A lâmina realiza operações no corpo e na psiquê simultaneamente, nos decepa. Mas quando a manejo, o que me torno? Deusa de mim mesmo. Lembro da sensação de sair das muitas sessões de laser e sentir o cheiro de pele queimada. Chegar e observar meu rosto liso, como tinha sido impossível até anos então. Sussurro pra mim mesmo: cheiro de nova deusa. A estigmata, no nosso caso, parece uma forma de corporificar a relação com a libido e com o destino que estamos traçando para nós, uma forma de marcar esse sentido, de dar forma ao gozo e a pulsão.
Só se entende o sintoma em retrospecto. Nesse viés, o trabalho de análise precisa partir de uma certa intuição que não é baseada em certeza, porque o sintoma, aquilo que nos define enquanto sujeito, só pode ser entendido em retrospecto. Isso é próximo de como Hegel entende as rupturas históricas: um evento que inicia-se como acidental torna-se essencial para o seu entendimento, e então joga uma nova luz sobre todos os eventos precedentes. O mesmo ocorre com a transição: quando se toma as rédeas da própria vida, todos os traumas precedentes são vistos de outra maneira. Só posso falar por fim, mas sinto que entendi, finalmente, qual tinha sido o sentido até então. Meu Destino me foi revelado. Se a História só ganha sentido em retrospecto, a história individual de cada uma de nós torna-se outra. A transição é uma profecia autorrealizável, e a estigmata é tornar Deus humano, objeto de desejo e diálogo, assim como corporificá-lo: encontrar a divindade no humano.
Notas de rodapé
Essa é a primeira elaboração que fiz sobre o assunto em contato com o texto de Preciado, aulas que tive no início de 2023 com Bogna Konior e minha própria prática de automutilação. Deixo claro que de forma alguma esse texto é um tipo de incentivo para que se recorra à automutilação, mas observando a recorrência dessa prática em amigas penso que é proveitoso refletir porque isso se dá em um determinado perfil de mulheres (inclusive as cis).
É a partir desta lógica que o psicanalista húngaro Sándor Ferenczi pensará que o trauma permite novas camadas e/ou estruturas da psiquê, propondo a ideia de um Eu multipartido ou fragmentado.
Em Technologies of the Self (1988), Michel Foucault faz uma descrição detalhada para as diferentes técnicas de fortalecimento e reprodução do Eu e as formas primordiais durante a Grécia e a Idade Média.
Aqui não se trata propriamente da figura do alien como ser extraterrestre, mas antes como uma força de alienação (no sentido de externalização) que opera nos filmes de Cronenberg: há um elemento estrangeiro que ao entrar em contato com os indivíduos provoca mutações nos seus corpos. Creio que seria ingênuo olhar pro comportamento do corpo abjeto em Cronenberg como “metáforas”: em seus filmes não há uma psicologia que distingue um nível mental e um carnal, mas antes corpo e mente são indissociáveis.
Tratei previamente da relação entre a transição e o body horror no texto Enraivecida na Fúria dos Hormônios.
Por exemplo, no desenho-diagrama de Hunter Schafer ela documenta os diferentes estágios “identitários” ao qual sua subjetividade ocupa a partir da progressiva participação do “mundo feminino”, também relacionado ao seu próprio desejo por e pelos homens ao qual ela identifica uma ligação com “o ato de consumo e o ato de comer”. Enquanto no canto inferior esquerdo do desenho uma flor se desenvolve, abre suas pétalas e desfalece, há uma transformação de criança - menino hétero - bi - menino gay - mulher hétero - mulher gay - pessoa queer e finalmente morte.
Aqui parto de Simondon para o que ele chama de transindividuação ou como gosto de chamar, individuação de segunda ordem. Entendo o processo da travestilidade (assim como da transexualidade-transgeneridade das nossas irmãs gringas) como um grupo que encontra sua sobrevivência, reprodução e ressignificação ao se definerem como uma identidade coletiva que sofre perseguição estatal. Previamente no texto Subversão da língua (Revista Rebento, 2024) identifiquei três ordens tecnológicas desenvolvidas coletivamente por travestis que definiram esse grupo: sociais, cosméticas-cirúrgicas e linguísticas (pajubá). Creio que aqui investigamos uma ramificação do segundo grupo, pensando na mutilação em amplo senso como forma de modificação corporal ou registro do funcionamento psíquico.
Para um aprofundamento de como circuitos estéticos determinam identidades coletivas (e como trato a definição de Estética ao longo do texto), assim como a sua transvalorização cf. WYNTER, Sylvia. Rethinking “Aesthetics”: Notes towards a deciphering practice. 1992.
cf. VIEIRA, M. G; PIRES, M; PIRES, O. Self-mutilation: pain intensity, triggering and rewarding factors. 2016
Interessante notar algumas das figuras às quais Harrison aponta como “catalisadores” desses fenômenos e a sua inserção. Além disso, vemos aqui um apontamento do fenômeno da estigmata sobreposto com a automutilação/mutilação. Aqui, o autor sintetiza bem as aproximações da divinação, o uso de drogas, rituais e a posição social dos sujeitos que passam pela estigmata e a mudança psíquica efetuada nesse processo: “The shamans, Schnabel pointed out, were often described as ‘wounded healers’ and the suggestion was made that to become wounded, shamans might deliberately expose themselves to suffering or ‘fake the effects. He also pointed out that many of the phenomena associated with these activities were primarily the province of women or shaman who were themselves bisexual or transexual. These phenomena, it was pointed out, enabled practitioners to achieve ends which they could not secure more directly. They did so by capitalizing on their distress, making a special virtue of adversity and affliction. The practitioners were able to give their exhibitions of extraordinary powers ‘more force by learning sleight of hand and other ways of tricking an audience. They also knew ways of elevating their consciousness to a genuinely altered state through eating hallucinatory substances, chanting rhythmically or undergoing pain and self-mutilation” (HARRISON, pp. 21-22).
cf. HARAWAY, D. The Promise of Monsters. 1992
Em última instância, apela-se aos cromossomos, quando já se sabe que existe uma variação de mulheres cis nessa questão e ela é incapaz de dar conta do sexo biológico. A defesa de Janice acaba indo para que no fim “transexuais gostariam de ter nascido com os cromossomos XX”. Eu não conheço qualquer transexual com uma obsessão cromossômica.
Há um capítulo que toca na questão dos eunucos, mas sinceramente é tratado de forma tão rasteira que não vale a pena ser comentado aqui.
THURSTON, A. J. Paré and prosthetics: the early history of artificial limbs. 2006
LE GUIN, U. A teoria das sacolas da ficção. 1986
SUYEMOTO, K. L. The functions of self-mutilation. 1998
NISHIKAWA, E; FIORE, M; HARDT, O. Histeria e borderline: mo(vi)mentos da clínica psicanalítica. 2017
Para uma visão que trata ainda da questão do abuso durante a infância no viés psicanalítico, cf. FERENCZI, S. Confusão de línguas entre os adultos e a criança. A linguagem da ternura e da paixão. 2006
Nos Estudos sobre a histeria existem relatos de pacientes histéricas que realizavam feridas no próprio corpo. Talvez a prática da automutilação não seja, portanto, apenas uma manifestação contemporânea
ZIZEK, S. O Sublime Objeto da Ideologia 2016
Para uma discussão em detalhe sobre o sintoma em Freud e os desenvolvimentos no trabalho de Lacan, cf. DIAS, M G L V. O sintoma: de Freud a Lacan. 2006
Apresento a definição de gozo em Lacan no texto precedente, A trialidade da trava: as diferentes posições do desejo nas relações com mulheres cis e pessoas trans. A abjeção, que também aparece aqui, também tem uma exposição didática neste texto.
Essa afirmação em bases freudo-lacanianas é disputável. O lugar do trauma é tomado pela fantasia em Freud, que também é fundante para o pensamento de Lacan. Aqui sigo uma interpretação para a primazia que autores como Otto Rank e Sándor Ferenczi deram ao trauma.
Freud mostra a relação entre o brincar a simbolização da morte/desaparecimento em Além do princípio do prazer no jogo que ficou conhecido como fort-da e o qual depois é retomado por Lacan para a compreensão do estádio do espelho.
KRISTEVA, J. Powers of Horror: An Essay on Abjection. 1980
LACAN, J. Seminário 11: Os fundamentos da psicanálise. 1971
Minha fala no VII Colóquio Simondon, Travas etéreas – toque, techné, tecido e trama, foi sobre o mito de Aristófanes e o ápeiron de Heráclito.
Minha percepção sobre Malabou é fortemente baseada em Mirian Monteiro Kussumi, que recentemente participou em uma coletânea de textos sobre a autora ao escrever sobre plasticidade a interpretação de Malabou sobre Hegel. cf. KUSSUMI, M. O Fantasma de Hegel: plasticidade e auto-diferenciação segundo Malabou. 2024
BADIOU, A. Destruction, Negation, Subtraction - on Pier Paolo Pasolini. 2007
MALABOU, C. Ontology of the accident: An Essay on Destructive Plasticity. 2012
Primeiro: Tesão.
Segundo: Quando vi o título do teu novo texto pensei "carai isso aqui é alimento pra minha alma". Salvei pra ler mais tarde, porque tava muito bêbada pra ler na hora que saiu. Hoje acordei bem cedo e a tarefa do dia (existiam várias outras a serem cumpridas, mas nada me enchia mais os olhos) era lê-lo. Dito e feito. Passei o dia me debruçando sobre as tuas palavras. Enorme de fato, mas bom que tenha sido pois foi o alimento do meu dia.
Não conhecia o texto do Preciado com o qual tu dialoga aqui, e fui tratar de ler pra melhor entendimento de tudo.
Um fato é: vou reler isso algumas muitas outras vezes pra conseguir digerir direitinho todas as ideias muito bem concatenadas. Muitas referências, o pensamento se expandindo a cada parágrafo que seguia… a transgressão do termo e da prática para uma (re)afirmação do corpo… tudo lindo meu deus! tudo lindo. comecei a ler e não fazia ideia do campo que iria se abrir no avanço da leitura.
Logo no início, mas principalmente na segunda seção, lembrei muito do filme Benedetta (2021) do Paul Verhoeven - ótimas imagens desse erotismo despertado pela figura divina e o culto àquela que carrega os estigmas e que é santificada por eles. Lembrei também da série Sharp Objects, cuja personagem principal (interpretrada pela Amy Adams) escreve com a lâmina no corpo inteiro palavras que representam as mazelas, traumas, acontecimentos de cada momento da sua vida, de modo que ler o seu corpo é ler a sua história inteira.
Adorei todas as ilustrações - todas lindas!!!
Terminei de ler pela tarde e fiquei caducando pra tentar colocar em palavras o quão prazeroso foi ler isso… mas penso que não tive muito êxito… De qualquer forma, teu texto foi a alegria do meu dia.
Beijos.